Em visitas ao Japão, Carlos Mira, 50 anos, administrador da Leica, a
trabalhar na sucursal portuguesa da marca, opta por não usar o pin da
empresa na lapela. Sabe que serão inevitáveis os olhares rasgados de
cobiça, sempre atentos às melhores tecnologias. Considerada o Rolls
Royce das máquinas fotográficas, tem a particularidade de ser feita,
quase na totalidade, em Portugal. Quase... não fosse apenas um pequeno
sensor colocado na Alemanha. "O Made in Germany vende", reconhece.
Ressalvam-se os binóculos, esses sim, 100% portugueses.
Quando os irmãos Leitz tomaram a decisão, no início dos anos 70 do
séc. XX, de deslocalizar parte da produção, Vila Nova de Famalicão
apresentou-se como a localização ideal. "Foram influenciados pelo ditado
'em Braga reza-se, no Porto trabalha-se e em Lisboa vive-se'. Em
Famalicão, havia também experiência de máquinas de precisão [entre as
quais relógios], da Boa Reguladora, e trabalhos manuais, nos têxteis."
Começaram com cinco trabalhadores e a perspetiva de ficarem por meia
dúzia de anos. Hoje, são 650, metade dos quais com mais de 20 anos de
casa, e o seu know-how já ultrapassou o da casa-mãe. Este ano, deixam as
instalações inauguradas em 1973 e mudam-se para a nova fábrica, a 3
quilómetros.
No passado, a casa-mãe fez algumas tentativas de deslocalização para
países com mão-de-obra mais barata, mas logo se arrependeu. "Isto nunca
vai ser uma produção de massa. Não temos robôs, é preciso mãos delicadas
para juntar 1 200 peças numa máquina." Além dos constantes
desenvolvimentos das digitais, continuam a fazer as máquinas analógicas e
a responder a um mercado crescente de nostálgicos. "Há um culto à
parte. Conheci um senhor que dizia ter um altar da Leica em casa e ficou
dois anos sem falar com um cunhado que lhe riscou uma máquina."
Tiveram, em 2011, o melhor ano de sempre. Quando Carlos Mira ouviu
pela rádio que o Governo iria cortar parte do subsídio de Natal, decidiu
atribuir um prémio, em novembro, aos funcionários. "Temos um grande
respeito pelos trabalhadores, sem eles isto não era possível."
A filosofia de rigor, disciplina e qualidade da Leica passa de
geração para geração. É Hugo Freitas, 36 anos, há dois na empresa, quem
diz: "O português usa muito as palavras talvez, vamos ver. Na cultura
Leica ou é ou não é."
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